Estudo classificou comportamentos do uso problemático da pornografia com base em informações de mais de 2 mil homens que consomem o conteúdo
A tecnologia digital, e principalmente a Internet, transformou a maneira como trabalhamos, estudamos, socializamos e nos entretemos. Com o aumento do tempo de tela em todo o mundo, há também o aumento da discussão pública e científica sobre os perigos dos comportamentos digitais potencialmente viciantes.
Um desses comportamentos controversos é o consumo de pornografia na Internet. Um estudo publicado na revista Addictive Behaviors e realizado por pesquisadores da Universidade australiana de Monash, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), investiga os aspectos problemáticos desse uso, especialmente em homens.
O uso problemático da pornografia (UPP) é caracterizado pela dificuldade em controlar o consumo de pornografia, mesmo quando o indivíduo reconhece consequências adversas de seu comportamento. Dados de 2018 revelam que, no Brasil, mais de 10% da população assumiu consumir pornografia, sendo 76% do sexo masculino. Nos Estados Unidos, esse percentual comporta a estimativa de uso problemático da pornografia, com 11% dos homens e 3% das mulheres se declarando viciados no conteúdo.
Considerando que o problema afeta mais homens que mulheres e que as nuances psicológicas entre os dois gêneros são distintas, a atual pesquisa coletou dados de mais de 2 mil homens para entender seu uso da pornografia na Internet, examinando os comportamentos que podem intensificar esse consumo e escalonar para o vício.
Entender e criar terapias bem direcionadas para o UPP ainda são desafios científicos e clínicos, pois não há consenso sobre a classificação do problema como um transtorno de comportamento sexual compulsivo ou como uma das dependências relacionadas à Internet.
Buscando contribuir com a investigação e classificação do UPP, os pesquisadores exploraram as conexões entre vários indicadores de intensidade, como tolerância qualitativa e quantitativa, maratonas pornográficas (binges), atraso deliberado do orgasmo (edging) e mudança frequente entre estímulos, como a abertura de diferentes janelas de pornografia durante o consumo (tab-jumping). A amostra foi composta por homens que haviam consumido pornografia na Internet pelo menos uma vez nos últimos doze meses, recrutados através de plataformas on-line nos Estados Unidos e no Reino Unido.
A metodologia do estudo incluiu a aplicação de um questionário medindo dificuldades como a de reduzir o uso de pornografia e de resistir à impulsividade, além de avaliar a busca por pornografia para lidar com emoções fortes. Além disso, foram medidos comportamentos específicos: maratonas pornográficas (binges) foram definidas como sessões de pelo menos duas horas e/ou envolvendo múltiplos orgasmos; edging foi avaliado com a pergunta “Com que frequência você atrasa o clímax para prolongar a sessão?”; e tab-jumping foi medido perguntando “Com que frequência você muda para novos estímulos durante uma sessão?”.
Os resultados do estudo mostraram que o aumento do tempo gasto com pornografia para satisfazer as necessidades estava fortemente ligado a outros indicadores de intensidade estabelecidas no UPP, como a dificuldade de controlar a impulsividade. Isso sugere que o aumento do engajamento, junto com o prazer diminuído que ocorre após a exposição contínua, podem ser características importantes do problema. A pesquisa também identificou que as maratonas pornográficas, o tab-jumping e o edging são relevantes para entender o UPP.
Os autores destacaram que o UPP parece estar menos relacionado a transtornos sexuais off-line, como o vício em sexo, do que com o uso problemático da Internet, uma vez que a novidade sexual digitalmente mediada se mostrou fator central nos padrões de uso investigados.
Além disso, os resultados indicam que a tolerância adquirida pelos conteúdos pornográficos pode atuar como um intermediário para comportamentos intensivos de uso de pornografia e perda de controle comportamental. O estudo estabeleceu relações entre o tab-jumping e o edging como sinais importantes que concordam com a ideia de que indivíduos com UPP podem buscar cada vez mais novidades sexuais enquanto usam pornografia.
Este estudo foi pioneiro em quantificar comportamentos específicos como maratonas pornográficas (binges), atraso deliberado do clímax (edging) e mudança frequente entre estímulos (tab-jumping) no UPP. Mensurar esses aspectos em uma população é um esforço que pode auxiliar intervenções clínicas e autoguiadas. A pesquisa também sugere que a tolerância ao conteúdo pode ser um alvo potencial para intervenções, dado seu papel de mediação entre o uso intensificado de pornografia, que estimula os usuários a gastar mais tempo na atividade e buscar vídeos mais intensos.
O atual estudo oferece novas perspectivas sobre os comportamentos que podem intensificar o uso problemático de pornografia e propõe novas direções para intervenções clínicas e futuras investigações científicas. A compreensão desses comportamentos pode ajudar a desenvolver estratégias mais eficazes para abordar o UPP e suas consequências na saúde mental de jovens e adultos.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.