Que o futebol é paixão nacional, ninguém duvida. Que cada torcedor
defende seu time com unhas e dentes, também não. Mas cientistas estão
interessados em desvendar, também, os mecanismos cerebrais que permeiam o
sentimento de identificação entre os torcedores de um mesmo time. Uma equipe
internacional de pesquisadores verificou experimentalmente que as áreas do
cérebro ativadas durante a tomada de decisões altruístas relacionadas a
companheiros de torcida são as mesmas que entram em ação para gerar o
sentimento de pertencimento a outros grupos sociais, como as famílias.
“O pertencimento a grupos culturais é uma
característica extremamente relevante para a sobrevivência humana, o que torna
fundamental a investigação de suas bases neurais”, destaca o
neurocientista Jorge Moll Neto, presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e
Ensino e um dos autores do trabalho, publicado
em novembro passado na revista Scientific
Reports.
Para o experimento, a equipe de cientistas selecionou 27 torcedores do
Flamengo, do Vasco, do Botafogo e do Fluminense, todos clubes do Rio de
Janeiro, onde a pesquisa foi realizada. Eles foram submetidos a um teste
simples em que tinham a possibilidade de ganhar dinheiro para beneficiar a si
mesmos, a outros torcedores do seu time ou a pessoas sem time. Para ganhar esse
dinheiro, os participantes deveriam apertar, com força, um dispositivo – quanto
maior a força aplicada, maior a quantia obtida.
O resultado, bastante previsível, foi que os participantes se esforçaram
mais para conseguir dinheiro para si próprios e, em segundo lugar, para obter
recursos para outros torcedores de seu time – já os não torcedores ficaram em
último lugar em relação à quantia arrecadada. A novidade está no fato de que o
experimento foi realizado dentro de uma máquina de ressonância magnética, o que
permitiu aos cientistas acompanhar a atividade cerebral dos participantes
durante o teste. O objetivo era verificar as regiões cerebrais envolvidas nas
decisões altruístas, isto é, que visam aumentar o bem estar de outra pessoa.
O ato de fazer um esforço para obter recompensa, independentemente do
beneficiário dessa recompensa (o próprio participante, outro torcedor ou uma
pessoa aleatória), ativa uma região do cérebro chamada córtex órbito-frontal
medial, que atua na avaliação de custos e benefícios durante o processo de
tomada de decisão. Porém, durante a atividade de buscar a recompensa para um
membro do mesmo grupo – no caso, um torcedor do mesmo time de futebol –, o
córtex órbito-frontal medial atua em sintonia com outra região cerebral, o
córtex cingulado subgenual, envolvido nos sentimentos de afiliação e pertencimento.
Os especialistas acreditam que um processo semelhante aconteça, por
exemplo, em relação a outros tipos de grupos, como os religiosos ou políticos.
“Torcedores de futebol compõem o que chamamos de grupos naturais, que possuem
enorme engajamento na vida real e fornecem uma oportunidade única de estudar
uma característica universal de humanos, que é o pertencimento de grupo”, conta
o também neurocientista do Instituto D’Or e doutorando da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) Tiago Bortolini.
Segundo o pesquisador, entender os mecanismos cerebrais envolvidos no
pertencimento de grupo pode ser um primeiro passo para pensar intervenções
nesses mecanismos e observar seus impactos sobre o comportamento das pessoas.
Além dos especialistas do Instituto D’Or e da UFRJ, colaboraram na
pesquisa cientistas do Instituto Max Planck e da Universidade de Leipzig, na
Alemanha; do King´s College London, no Reino Unido; e do Centro Nacional da
Pesquisa Científica, da França.
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