É possível para uma mulher com deficiência sonhar com a maternidade?

Desde mais nova, Amábile Moniz, 37, sonhava em ser mãe. Olhava os comerciais na televisão e pensava: “Será que um dia vai acontecer comigo? Ou isso nunca será para mim?”

Os questionamentos dela faziam sentido. Amábile nasceu com mielomeningocele, também conhecida como espinha bífida aberta. A condição faz com que os ossos da coluna vertebral do bebê não se desenvolvam corretamente na gestação, resultando no aparecimento de uma “bolsa” nas costas – que expõe as meninges, a medula e raízes nervosas.

No caso de Amábile, a condição foi descoberta de forma tardia, aos quatro meses de idade, o que prejudicou o tratamento da mielomeningocele. “O que mais atingiu inicialmente? A minha bexiga, que tem um problema de atrofia, meu intestino e minhas pernas. Não sinto meus pés de ambas as pernas”, explica.

Neste processo todo, passou por diversas cirurgias para ter mais qualidade de vida. Isso porque não há cura para a condição na qual Amábile nasceu. Então, por um longo período, foi tratando os problemas que mais traziam desconforto. No total, foram 31 cirurgias, todas reparatórias.

Hoje, ela utiliza a cadeira de rodas mais como um auxílio e, também, para evitar que “force” muito os pés. Ela consegue se movimentar com muletas e por pequenas distâncias. Também possui uma sonda de alívio para conseguir urinar.

Início do sonho de ser mãe

Quando era pequena, Amábile perguntava se poderia ser mãe ao urologista, que cuidava do problema da bexiga dela. O médico dizia que não sabia, mas quando realizou cirurgias, explicou que os órgãos reprodutivos dela estavam todos preservados.

Na adolescência, o sonho de ser mãe continuou. Chorava ao ver os comerciais porque não sabia se poderia gerar uma criança. Já mais velha, quando começou a fazer exames ginecológicos de rotina, perguntou ao médico se ela poderia engravidar.

Ele disse que não, em um primeiro momento, mas, depois, pediu mais exames que provaram mais uma vez que estava tudo normal. “Eu orava muito. Pedia a Deus: ‘faça com que eu possa gerar filhos, quero ter todas as sensações, as ruins e as mais gostosas, não me livre de nada’. Eu até implorava. Era meu maior sonho na Terra”, lembra a aposentada.

No entanto, a maior preocupação de Amábile era a sonda localizada no umbigo. Quando há esse tipo de patologia na região, há grandes riscos de infecções, de acordo com ela. “A equipe de infectologia dizia que, se eu engravidasse, abortaria. Seria um ciclo. Os níveis de infecção são altos e os antibióticos matariam o feto.”

O sonho da gestação, enfim, realizado

Sem ter nada planejado ao lado do namorado Juliano, que tinha consciência do sonho dela, Amábile descobriu a gravidez em abril de 2019. Estava internada no hospital após receber diagnóstico de H1N1. Em um dos exames, os médicos suspeitaram da gravidez que, de fato, foi confirmada.

“Eu fiquei chocada e impactada. Só chorava e nem conseguia me alimentar direito. Por um lado, fiquei feliz por realizar meu sonho, mas, por outro, estava preocupada por imaginar como seria isso. Foi uma bomba!”, conta.

Passado o pânico inicial, ela realizou o pré-natal rigorosamente, não perdia uma consulta. Saía de Taboão da Serra (SP), pegava metrô e ônibus, e ia ao médico na Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo (SP) – uma distância, em média, de 20 km.

A gestação foi totalmente saudável, sem nenhum risco à saúde da mãe e da bebê. O problema é que, quando estava no final da gravidez, Amábile precisava de uma equipe para acompanhá-la mais de perto e a maioria dos hospitais negava o caso, dizia que era complexo e não poderia ajudá-la.

O único local que resolveu recebê-la foi o Hospital e Maternidade São Luiz Itaim. Ficou dois meses internada para tratar infecções no umbigo por causa da sonda e, também, para planejar o parto mais de perto, com acompanhamento dos médicos.

“Não conseguia passar a sonda pelo umbigo, sangrava muito. Tinha dificuldade em fazer isso em casa nesse final da gestação. No hospital, recebi todo respaldo que você possa imaginar”, diz.

No dia 17 de dezembro de 2019, Amábile deu à luz Gabriella, uma bebê saudável e, nas próprias palavras da mãe, “perfeita”. Hoje, Gabi tem um ano e nove meses. “Ela sabe que quando cai algo no chão, tenho mais dificuldade em pegar. Ela vai lá e me ajuda. Também vem me ajudar quando preciso colocar uma meia”, diz a mãe.

Por fim, Amábile afirma que, sim, é possível ser mãe mesmo tendo nascido com deficiência. “Não vou dizer que não terá dúvidas, mas o que eu afirmo sempre é: nunca abra mão dos seus sonhos, corra atrás. Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, não trocaria por nada neste mundo. Não há nada melhor do que ser mãe.”

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