Desafios regionais na educação de populações vulneráveis
Panoramas do Uruguai, Argentina e Brasil
Após uma breve atividade de integração entre ouvintes e participantes, a segunda sessão abordou os desafios e oportunidades na educação de crianças e jovens em situações de vulnerabilidade na América Latina. Alejandra Carboni Roman, da Universidade da República (Uruguai), apresentou dados preocupantes sobre seu país, onde mais de 20% das crianças nascem abaixo da linha da pobreza, e demonstrou como desigualdades socioeconômicas influenciam o desenvolvimento neuropsicológico. Seus estudos indicam que desempenho escolar, controle de impulsos, memória de trabalho e até a densidade de matéria cinzenta (área cerebral rica em neurônios) estão diretamente associados ao contexto socioeconômico, ressaltando a possibilidade de intervenções eficazes para reduzir desigualdades e ampliar oportunidades.
Na sequência, Julia Hermida, da Universidade Nacional de Hurlingham (Argentina), apresentou evidências sobre a relação entre habilidades socioemocionais e desempenho acadêmico. Segundo seus estudos, 90% das crianças com baixa habilidade socioemocional não conseguem sequer ler um texto simples, apresentando vocabulário reduzido e pior função executiva. Hermida destacou que a escola não deve atuar isoladamente e que intervenções em múltiplos níveis, como na família e na comunidade, são fundamentais, especialmente em países latino-americanos, onde jovens enfrentam desigualdades mais acentuadas, maior estresse crônico e maior segregação social do que em países do Norte global.
Na perspectiva brasileira, Claudia Costin, ex-Diretora Global de Educação do Banco Mundial, apresentou resultados do projeto Escolas do Amanhã, desenvolvido durante sua gestão como secretária municipal de educação do Rio de Janeiro (2009–2014). A iniciativa contemplou 155 escolas cariocas localizadas em regiões dominadas por milícias e tráfico, com os piores indicadores de desempenho escolar e evasão. O programa adotou ensino integral, valorização salarial para docentes e atividades extracurriculares conduzidas por talentos da própria comunidade. Como resultado, houve melhora de 33% no desempenho e redução pela metade da evasão escolar, especialmente no nono ano, fase em que jovens costumam ser recrutados por grupos armados.
Encerrando a sessão, Maria Rebeca Otero Gomes, da Unesco Brasília, apresentou dados do relatório global sobre inclusão e educação. Entre os destaques, chamou atenção o fato de mulheres e meninas representarem dois terços dos 750 milhões de pessoas analfabetas no mundo. O relatório também apontou o aumento do bullying e do cyberbullying contra minorias e enfatizou a necessidade de adaptar a educação às especificidades culturais, como no trabalho de tradução e contextualização de conteúdos didáticos para línguas indígenas coordenado pela Unesco.
Primeira infância, desenvolvimento e avaliação educacional: Evidências sobre impactos e intervenções eficazes
A última sessão de palestras do dia foi dedicada à primeira infância e às abordagens de mensuração do desenvolvimento infantil. Maria Beatriz Martins Linhares, da USP, discutiu como a educação inicial pode reduzir os efeitos do estresse crônico, destacando o papel central da parentalidade. A pesquisadora apresentou resultados de intervenções realizadas em escolas de baixa renda, onde educadores treinados para atuar com famílias contribuíram para melhorias significativas na prevenção da violência e na psicoeducação parental.
Também da USP, Daniel Domingues dos Santos apresentou estudos que demonstram os impactos positivos e duradouros da educação de qualidade na pré-escola, em contraste com os resultados ambíguos observados em ambientes de creche. Ele destacou a importância de implementar métodos robustos de avaliação da educação infantil para garantir que intervenções sejam eficazes e consistentes ao longo do tempo.
A sessão foi concluída por Soledad Grille, do Instituto Nacional da Criança e do Adolescente (INAU), do Uruguai, que apresentou o trabalho dos centros comunitários conhecidos como Club de Niños, espaços socioeducativos de atenção diária que complementam o papel da escola e da família, oferecendo atividades de socialização, apoio educacional e cuidados ampliados. Grille discutiu ainda workshops promovidos pelo INAU voltados ao ensino da autorregulação emocional em ambientes adversos, destinados a pais e cuidadores.
Mapeamento colaborativo e preparação para o desenho de intervenções
Após as apresentações, participantes e palestrantes foram convidados a realizar uma atividade colaborativa de mapeamento dos sistemas que influenciam a educação em contextos de estresse crônico. Eles construíram um mapa coletivo que identificou fatores que impactam os resultados educacionais, desde família e comunidade até instituições e políticas públicas, e discutiram os principais atores envolvidos nesses processos. A reflexão conjunta também abordou aspectos modificáveis dos problemas, elementos essenciais para promover mudanças, diferenças e semelhanças entre Brasil e Uruguai e expectativas para o desenho das intervenções que seriam desenvolvidas no segundo dia.
Continue acompanhando a cobertura
O primeiro dia da conferência evidenciou a complexidade dos desafios educacionais na América Latina, mas também apontou caminhos possíveis para ações colaborativas e baseadas em evidências. Para saber como esses debates se transformaram em propostas concretas no segundo dia do evento, convidamos você a ler o resumo completo da continuidade da conferência.
Confira o resumo completo do segundo dia do evento!