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Estudo do IDOR revela que contação de histórias reduz estresse e aumenta produção de ocitocina em crianças hospitalizadas

Estudo do IDOR revela que contação de histórias reduz estresse e aumenta produção de ocitocina em crianças hospitalizadas

Voluntária do Viva e Deixe Viver lê história para criança hospitalizada. Foto: Ana Flávia Coutinho/ Viva e Deixe Viver

Pesquisa inédita mostra que atividade aumenta a qualidade de vida de crianças internadas em UTIs com evidências robustas de impactos fisiológicos e psicológicos positivos

 

Um novo estudo com participação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver (Viva), acaba de evidenciar, pela primeira vez, que o ato de contar histórias é capaz de trazer benefícios fisiológicos e emocionais para crianças que se encontram em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). A descoberta foi publicada esta semana no Proceedings of the National Academy of Sciences, periódico científico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e foi liderada pelos pesquisadores Dr. Guilherme Brockington, da UFABC e pesquisador associado do IDOR, e Dr. Jorge Moll Neto, do IDOR.   

“Durante a contação de histórias acontece algo que chamamos de ‘transporte da Narrativa’, ou seja, a criança, por meio da fantasia, pode experimentar sensações e pensamentos que a transportam, momentaneamente, para outro mundo, outro lugar, diferente do quarto do hospital e, portanto, longe das condições aversivas de uma internação” informa Dr. Guilherme Brockington, primeiro autor do estudo.

A Associação Viva e Deixe Viver já atua com contação de histórias em hospitais há 24 anos, levando para estes ambientes esta prática imemorial da humanidade. Lendas, religiões e valores sociais atravessaram milênios por meio da oralidade e da escrita. Este movimento, conduzido pelo pensamento, pode criar empatia por eventos e personagens que oscilam de acordo com a interpretação de cada receptor.

“Até então, a evidência positiva do ato de se contar histórias era baseada em ‘bom senso’, em que a interação com a criança poderia distrair, entreter, aliviar um pouco o sofrimento. Mas faltava um embasamento científico sólido, principalmente no que tange a mecanismos fisiológicos subjacentes.”, explica Dr. Jorge Moll Neto.

“Qual é o poder da contação de histórias e do lúdico criativo em crianças hospitalizadas e em UTI’s? E como essas histórias efetivamente melhoram a saúde e as circunstâncias físicas, emocionais  e mentais dessas crianças? A Viva se dedica em demonstrar essas respostas em tantos patamares quanto possível: na imaginação pura, estimulando o tempo do brincar e do era uma vez; no emocional, levando afeto, empatia, diálogo e compreensão, e no corpo físico, quando pesquisas demonstram efeitos orgânicos e hormonais contribuindo para o bem-estar, recuperação mais rápida, diminuição de medicamentos, entre outros”, comenta o fundador da Viva, Valdir Cimino.

Foi considerando os processos psicológicos e biológicos que ocorrem antes, durante e depois de ouvir uma história, que os pesquisadores do estudo tiveram a ideia de buscar evidências científicas acerca dos principais benefícios das narrativas para crianças hospitalizadas em caso crítico.

Foram selecionadas, ao todo, 81 crianças, com idades entre 2 e 7 anos e que apresentavam condições clínicas similares e problemas respiratórios como asma, bronquite e pneumonia. Internadas em UTI no Hospital São Luiz Jabaquara, da Rede D´Or, em São Paulo. As crianças foram divididas em dois grupos de forma aleatória: 41 delas participaram de um grupo no qual contadores de história voluntários da Associação Viva e deixe Viver liam  histórias infantis durante 25 a 30 minutos, enquanto em um grupo controle, 40 crianças eram engajadas em perguntas de enigmas e adivinhações propostas pelos mesmos profissionais e durante o mesmo intervalo de tempo.

Para comparar os efeitos das duas intervenções, foram coletadas amostras de saliva de cada participante com o objetivo de analisar as oscilações de cortisol e ocitocina – substâncias relacionadas ao estresse e à empatia, respectivamente –, antes e depois de cada sessão. Além disso, as crianças também realizaram um teste subjetivo sobre o nível de dor que estavam sentindo antes e depois de experimentarem as atividades, bem como realizavam uma tarefa de associação livre de palavras ao verem 7 cartas com ilustrações de elementos do contexto hospitalar (Enfermeira, Médica, Hospital, Remédio, Doente, Dor e Livro).

Os desfechos foram positivos para os dois grupos, já que ambas intervenções reduziram o nível de cortisol e aumentaram a produção de ocitocina em todas as crianças analisadas, enquanto a sensação de dor e desconforto também foi amenizada, segundo a avaliação das próprias crianças. A única e significativa diferença é que os resultados do grupo que participou da contação de histórias foram duas vezes melhores do que o grupo das adivinhações, o que levou os pesquisadores à conclusão de que este contraste só poderia se dar em função da atividade narrativa. 

“Outro destaque deste estudo é que ele não foi realizado em ambiente artificial, e sim dentro do cotidiano da UTI pediátrica. A contação de histórias era feita de forma individualizada, a criança escolhia qual seria a história a ser contada. Entre os livros oferecidos, nós escolhemos títulos disponíveis em livrarias comuns e sem viés emocional pré-definido, para a história não influenciar tanto a reação da criança depois da atividade”, destaca Dr. Guilherme Brockington.

“Os voluntários da Associação, verdadeiros agentes transformadores na saúde e educação, sabem que a palavra cura e têm um vasto repertório léxico-medicinal para fazer crianças mais felizes”, enfatiza Valdir Cimino.

O estudo comenta que outras pesquisas já evidenciaram os efeitos das narrativas no cérebro humano. Por exemplo, apenas ao ler sobre a descrição de um som numa história, as áreas do córtex relacionadas à audição são ativadas, mesmo que não haja fonte sonora no local. Contudo, e apesar da prática já ser adotada em muitos hospitais infantis, esta é a primeira vez que são apresentadas evidências robustas de seus impactos fisiológicos e psicológicos, contribuindo para que a contação de histórias seja pensada como método terapêutico eficaz e de baixo custo, que pode fazer toda a diferença na qualidade de vida das crianças em unidades de terapia intensiva.

“Considero este estudo um dos mais importantes dos quais participei, pela sua simplicidade, rigor, e potencial impacto direto em práticas do ambiente hospitalar, visando o alívio do sofrimento. Por ser uma intervenção de baixo custo e alta segurança, potencialmente pode ser implementada em todo o sistema público, assim que estudos de maior escala verifiquem sua reprodutibilidade e eficácia. Pretendemos estender e replicá-lo em outros locais e grupos e apoiar o voluntariado que se dedica a esta nobre atividade de contação de histórias, agora com uma evidência científica mais sólida”, ressalta Dr. Jorge Moll Neto.

Os impactos emocionais da contação também foram revelados nos resultados do teste de associação livre de palavras, feito ao final de cada intervenção. As crianças do grupo que passou pela sessão de contação de histórias relataram muito mais emoções positivas do que o grupo controle, justamente para os estímulos referentes a Hospital, Enfermeira e Médica. Por exemplo, as crianças do grupo controle quando viam a carta com o desenho de um Hospital diziam: “esse é o lugar que as pessoas vão quando estão doentes”. Já as crianças do grupo contação relataram para a mesma carta: “esse é o lugar que as pessoas vão para ficarem melhor”. Para enfermeira e médica, foram observados o mesmo padrão. Crianças do grupo controle diziam “É a moça má que vem me espetar com a injeção”, enquanto as que ouviram as histórias diziam frases como: “É a moça que vem me curar”.

Apesar da pesquisa ter contado com o apoio de profissionais contadores de história da associação Viva e Deixe Viver, os autores afirmam que a contação é uma atividade que pode ser praticada de forma igualmente benéfica por pais e educadores, dando espaço para as crianças participarem da escolha e da interação com a história. Além da redução de ansiedade e estresse, a atividade possibilita estreitar laços entre a criança, o narrador e as outras pessoas presentes na prática.

Os autores do estudo chamam a atenção, também, para aplicações potenciais adicionais da contação de histórias, e seus resultados positivos, em crianças que experimentam diferentes tipos de estresse em seu meio, tal qual o observado pela pandemia de Covid-19.

“Ainda que tenhamos realizado nossa pesquisa dentro de um hospital, o ambiente da UTI pode guardar bastante similaridades com a realidade que muitas crianças podem estar vivenciando agora com a pandemia da COVID-19: o isolamento social que as mantém distantes dos amigos e pessoas queridas; os graus de stress e tensão causados por uma doença; o tédio de estar no mesmo ambiente por muito tempo; as emoções negativas como medo, tristeza e raiva que surgem em ambos os casos. Assim, a prática da contação de histórias por pais, parentes e amigos pode ser uma maneira simples e efetiva de melhorar o bem-estar da criança e é uma atividade acessível para todas as famílias”, finaliza Dr. Guilherme Brockington

Sobre o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino

Fundado em 2010, o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) é uma organização sem fins lucrativos, que tem por objetivo promover o avanço científico, qualificação, disseminação do saber e a inovação na área de saúde.

O IDOR vem desenvolvendo pesquisas de fronteira voltadas tanto para ciência aplicada, ou seja, com impacto clínico direto a curto prazo, quanto para a ciência fundamental, que busca o conhecimento mais profundo sobre os mecanismos biológicos, fisiológicos e patológicos.

A importância de aproximar a ciência básica da clínica foi evidenciada nas pesquisas envolvendo o vírus Zika, nas quais os pesquisadores do IDOR desempenharam um papel fundamental na comprovação da relação entre o vírus e a microcefalia. Os resultados tiveram grande alcance internacional e foram publicados na Science, uma das mais conceituadas revistas científicas da atualidade.

Sobre a Associação Viva e Deixe Viver

Fundada em 1997 pelo paulistano Valdir Cimino, a Associação Viva e Deixe Viver (www.vivaedeixeviver.org.br) é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) pioneira em diversas frentes e políticas públicas. Por meio da arte de contar histórias, forma cidadãos conscientes da importância do acolhimento e de elevar o bem-estar coletivo, a partir de valores humanos como empatia, ética e afeto.  A entidade também é referência em educação e cultura, por meio da promoção de atividades de ensino continuado.

Nesse sentido, conta com o canal Viva Eduque (https://www.vivaedeixeviver.org.br/o-que-e/), espaço criado para a difusão cultural, educacional e gestão do bem-estar para toda a sociedade. Hoje, além dos 1.357 fazedores e contadores de histórias voluntários, que visitam regularmente 85 hospitais em todo o Brasil, a Associação conta com o apoio das empresas Pfizer, Volvo, Cremer, UOL, Safran, Santa Massa e Instituto Helena Florisbal.

 

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu e Mayara Benatti.

26.05.2021

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