Avaliação de oito anos sugere que instituições acreditadas tiveram engajamento melhor com práticas de segurança, quando comparadas às sem acreditação
A segurança do paciente é essencial para a prática da qualidade da assistência à saúde. Ela envolve desde a prevenção de erros e eventos adversos até a criação de um ambiente de confiança e aprendizado dentro dos hospitais. Um mecanismo importante nesse processo é a Acreditação Hospitalar, certificação concedida a instituições de saúde que demonstram conformidade com padrões de qualidade e segurança definidos por entidades independentes, nacionais ou internacionais.
Devido à ampla implementação da acreditação no setor hospitalar privado do Brasil, os pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), da Rede D’Or, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Queen’s University investigaram se os hospitais acreditados demonstrariam maiores avanços na cultura de segurança do paciente ao longo do tempo, em comparação aos hospitais não acreditados. Os resultados foram publicados no Israel Journal of Health Policy Research.
Os dados foram coletados por meio do questionário HSOPSC (Hospital Survey on Patient Safety Culture), que mede como os trabalhadores percebem aspectos como comunicação, apoio da liderança, aprendizado organizacional, notificação de eventos adversos e resposta a erros. Esse formulário foi adaptado para o português e recebeu respostas de mais de 259 mil profissionais de saúde atuando em 71 hospitais privados no Brasil entre 2014 e 2022.
Os hospitais foram divididos entre acreditados e não acreditados, e as mudanças nas respostas foram acompanhadas ao longo de oito anos. Cerca de 70% das respostas eram da região Sudeste. Além disso, mais de 80 mil colaboradores trabalhavam em suas unidades hospitalares há mais de 5 anos. No geral, os maiores índices de preenchimento vieram da equipe de enfermagem: 44% para técnicos e 17% para enfermeiros, já médicos representaram 14% do total de respostas.
Os resultados mostraram que, dos 12 aspectos analisados, 11 apresentaram melhora significativa ao longo do tempo entre os hospitais acreditados. Por outro lado, nos hospitais não acreditados, a maioria das dimensões permaneceu estável, e a frequência de notificações de eventos adversos diminuiu, o que pode indicar subnotificação, e não necessariamente uma menor ocorrência de falhas.
Entre os pontos fortes identificados nos hospitais acreditados estavam o apoio da gestão à segurança do paciente e o aprendizado organizacional. No entanto, mesmo com avanços, dois temas permaneceram como áreas frágeis: a “abertura para a comunicação”, ou seja, o quanto os profissionais se sentem à vontade para questionar condutas ou relatar riscos e a “resposta não punitiva aos erros”. Esses dados sugerem que os profissionais podem ainda não se sentir confortáveis para questionar ou expor situações de risco, o que compromete o aprendizado institucional.
A acreditação hospitalar é uma intervenção multisetorial dentro de uma unidade hospitalar e deve estar vinculada à melhoria do desempenho em um momento específico e à taxa de melhoria ao longo do tempo. “Ou seja, a acreditação é um catalisador importante, pois cria estruturas, protocolos e um ambiente propício ao engajamento com a segurança”, explica Dr. Leopoldo Muniz, gerente médico da Qualidade Corporativa da Rede D’Or e pesquisador do IDOR. Os autores informam que o estudo é aparentemente o primeiro a demonstrar a associação do status de acreditação com a melhoria na cultura de segurança do paciente na América do Sul.
No caso da Rede D’Or, essa estratégia inclui o Manual de Práticas Assistenciais, ferramenta desenvolvida para padronizar os processos de cuidado e assegurar a manutenção contínua dos padrões de qualidade entre os ciclos de acreditação. “O programa de qualidade estruturado com base nesse manual inclui a realização sistemática de auditorias acompanhadas de feedback contínuo sobre os resultados de desempenho, promovendo ciclos consistentes de melhoria contínua e reforçando a cultura de segurança ao longo do tempo”, destaca o pesquisador.
Embora não tenha estabelecido uma relação causal entre acreditação e segurança, seus resultados do estudo reforçam a importância de integrar esse tipo de certificação a estratégias institucionais mais amplas. “A obrigatoriedade da acreditação, sem o devido engajamento institucional, corre o risco de fomentar conformidade superficial, sem impacto real na cultura ou nos desfechos assistenciais”, afirma Dr. Muniz. Promover uma cultura de notificação transparente de eventos adversos e quase-acidentes, maximizar o engajamento da equipe e melhorar a comunicação interprofissional priorizando a segurança do paciente são caminhos promissores para viabilizar o cuidado mais seguro, seja em hospitais acreditados ou não.