Entre setembro de 2020 e março de 2022, o NEAT reuniu dados de 2.003 pacientes em 25 centros de saúde espalhados pelas cinco regiões do Brasil, abrangendo tanto unidades públicas (56%) quanto privadas (44%). As informações foram coletadas de forma padronizada ao longo de um ano, prática conhecida para registro de dados em estudos de mundo real, em que os resultados refletem o que de fato acontece nos consultórios e hospitais, e não apenas o que é previsto em protocolos ideais ou em estudos clínicos controlados.
55,6% dos pacientes tinham apenas doença coronariana, 28,7% apresentavam doença arterial periférica isolada e 15,7% sofriam com ambas. A maioria era composta por homens (65,7%), com idade média de 66,3 anos.
Prevenção que quase ninguém segue
A principal meta do estudo era verificar quantos pacientes seguiam corretamente as recomendações médicas baseadas em evidências para reduzir seu risco cardiovascular. Essas práticas envolvem sete domínios: uso de medicamentos antitrombóticos, controle da pressão arterial, do colesterol e da glicemia, manutenção do peso corporal ideal, prática de atividade física e abandono do tabagismo.
Os resultados foram alarmantes. Apenas 0,3% dos participantes seguiam todas as recomendações, sendo que apenas 12,5% realizavam ao menos 150 minutos de exercício por semana e 8,6% atingiam a meta ideal de colesterol LDL (<55 mg/dL).
Por que as terapias não são seguidas?
Surpreendentemente, a principal barreira para a adoção dessas medidas não foi financeira, mas sim o julgamento médico. Em mais da metade dos casos, os profissionais simplesmente não prescreveram os tratamentos recomendados pelas diretrizes internacionais por não considerarem a indicação como rotina.
A chamada “inércia terapêutica” — quando o médico não adota novas práticas baseadas em evidências — foi identificada como um dos grandes obstáculos para o avanço da prevenção cardiovascular no Brasil.
Caminhos possíveis e urgentes
O NEAT expõe uma realidade preocupante, em que pacientes diagnosticados com doenças cardiovasculares não estão recebendo ou seguindo o tratamento adequado para evitar novos eventos. A adesão fragmentada aos tratamentos compromete seus resultados e aumenta a carga de doenças (e mortes) evitáveis no país.
“Grade parte dos estudos clínicos focam no desenvolvimento ou aplicação de novas terapias nas doenças cardiovasculares, mas estudos que busquem entender o hiato entre as evidências e suas aplicações práticas são necessários. O estudo NEAT mostrou esse hiato é real e que estratégias para fazer com que as evidências mais atuais e que podem salvar vidas possam ser aplicadas na prática são necessárias”, ressalta o Dr. Luiz Ritt.
Segundo os autores do estudo, uma abordagem mais abrangente e contínua, que combine educação médica, monitoramento de qualidade e incentivo a mudanças de comportamento, é urgente para mudar esse cenário. Estratégias populacionais em larga escala, integrando centros públicos e privados, podem ser decisivas para promover a prevenção e reduzir o impacto da aterotrombose no Brasil.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.