Novo estudo compara padrões moleculares no líquor de pacientes com Covid-19 e doença de Alzheimer, apontando possíveis conexões entre as duas condições.
A infecção pelo SARS-CoV-2 é conhecida por causar sintomas neurológicos agudos, como dores de cabeça, encefalopatia e eventos cerebrovasculares, além de sequelas de longo prazo, incluindo alterações cognitivas e de humor. Diante do papel central da inflamação tanto na Covid-19 quanto na doença de Alzheimer (DA), pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Queen’s University (Canadá) e Neurolife levantaram a hipótese de que as duas doenças poderiam estar conectadas. Os resultados foram publicados recentemente na revista Brain, Behavior, & Immunity – Health.
Estudos anteriores do grupo mostraram que a inflamação poderia estar por trás de alterações neurológicas e de neuroimagem em pacientes com Covid-19. Mas ainda não estava claro se pacientes com COVID-19 que desenvolvem alterações neurológicas já apresentavam a DA em um estágio pré-clínico, ainda não diagnosticado. Para responder a essa pergunta, o estudo comparou padrões moleculares no líquor de pacientes hospitalizados com Covid-19 e sintomas neurológicos, e pacientes com a doença de Alzheimer.
O líquor é um líquido presente nas cavidades do cérebro e na medula espinhal e tem um papel fundamental no fornecimento de nutrientes essenciais e na remoção de resíduos resultantes da atividade cerebral. Moléculas (biomarcadores) presentes no líquor podem indicar o início da doença de Alzheimer antes do aparecimento dos sintomas. A hipótese era de que a inflamação sistêmica causada pela Covid-19 grave poderia induzir processos neurodegenerativos significativos, mesmo em indivíduos sem diagnóstico prévio de demência.
Os pesquisadores analisaram biomarcadores no líquor associados a inflamação do sistema nervoso central (interleucina-6, ou IL-6), morte neuronal (proteína Tau) e à progressão da DA (marcadores de amiloidose e tauopatia). Essas análises foram feitas em quatro grupos: 36 pessoas cognitivamente saudáveis para o grupo controle; 35 pacientes diagnosticados com Covid-19 e sintomas neurológicos relevantes, sendo 18 casos graves ou que evoluíram para óbito; 20 pacientes com a doença de Alzheimer e 19 com deficiência cognitiva leve amnésica. Para garantir que os resultados não fossem influenciados por diferenças de idade, sexo ou outras doenças, os dados foram ajustados para esses fatores. Além disso, os resultados do líquor foram comparados com outros sinais de inflamação no corpo.
Entre os achados do estudo, foi possível observar que pacientes com Covid-19 e quadro neurológico apresentaram níveis elevados de tau total no líquor, muito semelhante ao observados em pacientes com a DA, o que indica dano neuronal. Porém, não foram identificadas variações clássicas de um indivíduo com a Alzheimer, como as alterações na razão pTau181/Aβ42, nem na proporção Aβ42/40.
Os autores interpretam esses achados como indicativos de que o aumento isolado dos níveis de Tau no líquor pode ser um reflexo de neurodegeneração aguda desencadeada pela resposta inflamatória exacerbada provocada pela Covid-19. A ausência de alterações específicas nos biomarcadores clássicos da doença de Alzheimer reforça a ideia de que os sintomas neurológicos observados em pacientes com Covid-19 não se devem a uma condição pré-existente da doença, mas sim a um efeito direto ou indireto da infecção viral e de sua intensa resposta inflamatória.
Contudo, os pesquisadores descobriram uma relação entre a inflamação sistêmica induzida pela COVID-19 e biomarcadores do líquor relacionados à progressão da doença de Alzheimer. Esses resultados, aliados aos achados de dano neurológico nos pacientes, reforçam a necessidade de um acompanhamento neurológico de longo prazo em pacientes que sobreviveram à Covid-19, especialmente aqueles que apresentaram quadros mais graves ou sintomas cognitivos persistentes, uma vez que processos inflamatórios crônicos podem predispor ao desenvolvimento futuro de doenças neurodegenerativas.
Escrito por Manuelly Gomes
Revisado por Claudio Ferrari