Intervenções em habilidades socioemocionais e letramento: a escola como espaço de proteção
A manhã começou com um painel dedicado às intervenções em aprendizagem socioemocional e letramento, enfatizando o papel crucial que professores e profissionais de assistência social desempenham na construção da resiliência de crianças e jovens. A apresentação de Ana Luiza do Amaral, do Serviço Social da Indústria (SESI), destacou três desafios centrais da educação contemporânea: a crise de engajamento estudantil, a dificuldade em despertar interesse intrínseco na aprendizagem e a necessidade de reconhecer a singularidade de cada criança. Segundo ela, criar experiências educativas que gerem ressonância (conexões significativas entre conteúdo, emoções e vida cotidiana) é um dos caminhos mais eficazes para restaurar o vínculo dos alunos com o processo de aprender.
Em seguida, Ana Carolina Zuanazzi Fernandes, do Instituto Ayrton Senna, apresentou resultados de um estudo envolvendo quase 90 mil estudantes do ensino médio da rede pública brasileira. Os dados revelaram que 13% dos jovens não se sentiam conectados à escola, enquanto um em cada quatro relatou ter sofrido bullying, sendo esse índice quatro vezes maior entre alunos negros. O estudo mostrou ainda que estudantes com melhores habilidades socioemocionais apresentam desempenho mais elevado em português e matemática, usam estratégias de estudo mais eficazes e demonstram maior respeito à diversidade. As intervenções em SEL também contribuíram para a redução de comportamentos de bullying, reforçando o potencial dessas habilidades como ferramentas de proteção e promoção do bem-estar escolar.
Representando o Instituto Nacional da Criança e do Adolescente (INAU), do Uruguai, Maria Ximena Giani abordou diferentes formas de violência vivenciadas na infância — instrumental, simbólica, emocional e expressiva. Ela explicou que a violência instrumental envolve o uso da criança como meio para atingir terceiros, enquanto a violência simbólica ocorre por meio de humilhações e desvalorização. A violência emocional inclui ações que geram medo, insegurança ou rejeição, e a expressiva se manifesta em comportamentos impulsivos e explosivos dos adultos. Ximena enfatizou que vulnerabilidade social, segregação territorial, presença de economias ilegais e barreiras de acesso à justiça formam um cenário complexo que dificulta a redução da violência, realidade semelhante à brasileira.
A ativista social uruguaia Elba Núñez deu continuidade à discussão trazendo o foco para a proteção de crianças e famílias que vivem em áreas de risco. Ela chamou atenção para o aumento de episódios de school shootings na América Latina e para o impacto das guerras contemporâneas sobre a infância, defendendo que escolas precisam estar preparadas para situações extremas. Núñez citou a proposta do “quarto azul”, um espaço de proteção instalado em formato de bunker escolar para abrigar crianças e familiares em momentos de emergência, uma iniciativa que está atualmente em avaliação pelo governo do Uruguai.
Fechando o painel, o pesquisador Julian Thayer, da Universidade da Califórnia em Irvine, apresentou estudos sobre como adversidades na infância se relacionam com a Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC), um indicador biológico amplamente associado à resiliência. A VFC mede as variações no intervalo entre batimentos cardíacos e reflete a capacidade do organismo de se adaptar ao estresse. Quanto maior a VFC, maior tende a ser a regulação emocional e menor o risco de problemas psicopatológicos ao longo da vida. Thayer demonstrou que intervenções simples, como exercícios respiratórios de 30 minutos semanais por cinco semanas, foram capazes de aumentar a VFC de crianças, sugerindo um método de baixo custo, fácil implementação e potencial impacto em larga escala.
Workshop: como planejar intervenções de forma contextualizada para áreas de adversidade na educação
Depois dos painéis, participantes e palestrantes se reuniram em um workshop prático para transformar os aprendizados do dia em propostas concretas. Divididos em cinco grupos temáticos, cada um mediado por um especialista, os participantes trabalharam em soluções para desafios urgentes enfrentados por escolas no Brasil e em outros países latino-americanos.
Grupo 1 — Evasão escolar (mediação: Guilherme Brockinton)
O grupo destacou que manter crianças na escola depende de fatores estruturais e sociais. Entre as prioridades, foram apontadas melhorias de infraestrutura, expansão do ensino integral, garantia de alimentação escolar de qualidade e desenvolvimento de projetos capazes de mobilizar apoio financeiro público para sustentar essas ações.
Grupo 2 — Escolas em áreas de violência (mediação: Fernando Louzada)
Para apoiar professores e funcionários que atuam em regiões marcadas por violência, o grupo sugeriu medidas como treinamento específico para lidar com situações de risco, criação de protocolos educacionais para emergências, atividades formativas baseadas em oficinas, e oferta contínua de supervisão e apoio psicológico para profissionais da educação.
Grupo 3 — Educação parental (mediação: Alejandra Carboni)
A proposta central foi formar agentes comunitários que funcionem como lideranças confiáveis, capazes de engajar pais e responsáveis em oficinas de educação parental. Essas oficinas abordariam identificação de práticas violentas, fortalecimento de habilidades de autorregulação emocional e criação de espaços seguros para que adultos reflitam sobre sua própria história e seus padrões de cuidado.
Grupo 4 — Pertencimento em zonas de adversidade (mediação: Marilia Zaluar)
O grupo discutiu estratégias para ampliar o sentimento de pertencimento dos jovens, não apenas dentro da escola, mas em todo o território comunitário. Entre as sugestões, estão ações de acolhimento articuladas com diferentes esferas da comunidade, oferta de cursos destinados aos pais dentro do ambiente escolar (incentivando sua presença e fortalecendo vínculos com a vida escolar dos filhos), e criação de protocolos comunitários para promoção do pertencimento, sempre com soluções personalizadas para cada realidade.
Grupo 5 — Desinformação (mediação: Mirela Ramacciotti)
A solução proposta envolve aproveitar centros já existentes, como CAPS e CRIA, para fortalecer a rede de informação sobre crianças e adolescentes. A ideia sugerida seria usar essa infraestrutura para construir uma base de dados contínua, capaz de orientar práticas baseadas em evidências e compreender os jovens de forma integral, indo além do desempenho escolar. O grupo também sugeriu incluir formação em ciência de dados para professores, permitindo que participem da coleta e interpretação das informações.
Ao final do workshop, as equipes compartilharam suas propostas em um momento de síntese e colaboração. A diversidade das ideias refletiu a força do encontro: pesquisadores, educadores e profissionais do setor público e privado reuniram perspectivas distintas, mas convergentes no propósito de construir soluções realistas e sensíveis às desigualdades latino-americanas.
O segundo dia da conferência destacou que intervenções integradas são fundamentais para transformar a experiência educacional de crianças e jovens em contextos adversos. Os debates e atividades reforçaram a importância da colaboração internacional e da criação de estratégias que respeitem a singularidade de cada comunidade latino-americana.
