Aplicações Clínicas da Dosagem de Neurofilamento de Cadeias Leves no Sangue
Publicado em:
Introdução ao Neurofilamento de Cadeias Leves (NfL)
O Neurofilamento de Cadeias Leves (NfL) é uma proteína citoesquelética encontrada especificamente nos neurônios, representando um componente estrutural essencial dos neurofilamentos. Essas estruturas são cruciais para a manutenção da arquitetura axonal e o processo de transporte de substâncias ao longo do axônio. O NfL é particularmente abundante em axônios mielinizados de maior calibre, responsáveis pela rápida condução dos impulsos nervosos. Os neurofilamentos são compostos por três subunidades principais, classificadas de acordo com seu peso molecular: leve (NfL), média (NfM) e pesada (NfH). A especificidade do NfL para o tecido neuronal faz com que seja um biomarcador promissor para a detecção de dano ou degeneração dos neurônios. A detecção de níveis elevados de NfL em fluidos corporais fora do sistema nervoso central (SNC) ou periférico (SNP) sugere fortemente a ocorrência de lesão a esses neurônios, resultando na liberação do conteúdo celular para o espaço extracelular e, subsequentemente, para a circulação sanguínea.
Em condições fisiológicas, uma quantidade basal de NfL é liberada no espaço extracelular como parte dos processos dinâmicos de desenvolvimento, maturação e envelhecimento do sistema nervoso. No entanto, em situações de lesão axonal ou degeneração neuronal, observa-se um aumento significativo na liberação de NfL para o fluido intersticial cerebral, para o líquor (LCR) e, eventualmente, para a corrente sanguínea. Embora o mecanismo preciso pelo qual o NfL é liberado dos neurônios danificados ainda não está totalmente elucidado, a hipótese mais provável envolve a perda da integridade da membrana celular como consequência direta da lesão. Uma vez liberado no LCR, o NfL pode fluir para a circulação periférica, tornando-se passível de mensuração em amostras de plasma e soro sanguíneo. A quantidade de NfL detectada no sangue pode refletir a extensão e a taxa de dano axonal, com lesões mais agudas e extensas provavelmente resultando em níveis mais elevados quando comparados com processos degenerativos mais lentos ou danos de menor magnitude.
A dosagem de NfL no sangue apresenta uma vantagem significativa sobre a análise no LCR por ser menos invasivo do que a punção lombar, o que facilita sua aplicação em larga escala na prática clínica e em estudos de pesquisa. O NfL emergiu como um biomarcador relevante em neurologia, com potencial para quantificar a atividade da doença em sua fase aguda, monitorar a resposta a intervenções terapêuticas e prever a progressão da incapacidade e da atrofia cerebral e da medula espinhal em diversas condições neurológicas. Embora o NfL seja um marcador não específico de lesão axonal, o padrão de sua elevação e sua dinâmica temporal podem fornecer informações valiosas para auxiliar no diagnóstico diferencial e na determinação do prognóstico em diferentes doenças neurológicas. A acessibilidade da dosagem sanguínea de NfL abre novas perspectivas para o acompanhamento longitudinal de pacientes com condições neurológicas, permitindo a monitorização da evolução da doença e da resposta ao tratamento ao longo do tempo, bem menos desafiadora do que seria através de amostras de LCR.
Aplicações Clínicas da Dosagem de NfL no Sangue
A dosagem de NfL no sangue tem demonstrado utilidade em uma ampla gama de condições neurológicas, fornecendo informações valiosas para o diagnóstico, prognóstico e monitoramento da resposta ao tratamento.
Na Esclerose Múltipla (EM), níveis elevados de NfL no sangue refletem o dano neuroaxonal contínuo associado à inflamação e podem ser preditivos da atividade da doença em breve. Os níveis basais de NfL já foram correlacionados com a gravidade da incapacidade e a atividade de recidiva pregressa. A dosagem de NfL pode, portanto, auxiliar na identificação precoce de pacientes com maior probabilidade de progressão da doença, permitindo decisões terapêuticas mais assertivas desde o início. Além disso, a monitorização regular dos níveis de NfL pode ser utilizada para avaliar a eficácia das terapias modificadoras da doença (TMDs), com uma redução nos níveis de NfL sugerindo uma resposta terapêutica favorável. O NfL pode, assim, servir como um marcador substituto valioso para avaliar a resposta ao tratamento tanto em ensaios clínicos quanto na prática clínica diária.
Adicionalmente, níveis elevados de NfL podem indicar atividade da doença mesmo em pacientes que se encontram clinicamente estáveis ou que não apresentam novas lesões em exames de ressonância magnética (RM), auxiliando na detecção de atividade inflamatória e neurodegenerativa subclínica. A dosagem de NfL pode, portanto, complementar a RM na identificação da atividade da doença, especialmente em contextos em que os recursos para exames de imagem frequentes são limitados.
Em relação às Doenças Neurodegenerativas, a dosagem de NfL no sangue também demonstra grande potencial. Na Doença de Alzheimer (DA), níveis elevados de NfL podem se correlacionar com a progressão da doença, a atrofia cerebral e o declínio cognitivo, podendo surgir até mesmo uma década antes do início clínico da DA esporádica e mais de duas décadas antes na DA familiar. Isso sugere que o NfL pode ser útil na identificação precoce de indivíduos com risco aumentado de desenvolver DA e no monitoramento da progressão da doença ao longo do tempo. Dados emergentes também indicam que a elevação do NfL pode estar associada a risco vascular aumentado, como o risco de AVC, particularmente em indivíduos com biomarcadores de Alzheimer e portadores do alelo APOE ε4 (Heshmatollah et al., 2022). Na Doença de Parkinson (DP) e nos Parkinsonismos Atípicos, os níveis de NfL podem auxiliar na distinção entre a DP e condições como a Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS), a Paralisia Supranuclear Progressiva (PSP) e a Síndrome Corticobasal (SCB), com níveis geralmente mais elevados observados nestes últimos. Em pacientes com DP, níveis mais altos de NfL na fase inicial da doença têm sido associados a uma maior gravidade dos sintomas e a uma menor sobrevida. Na Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), níveis elevados de NfL tanto no sangue quanto no líquor são fortes indicadores de dano neuroaxonal, apresentando valor diagnóstico e prognóstico, além de se correlacionarem com a taxa de progressão da doença e a sobrevida dos pacientes. O NfL também pode ser utilizado como biomarcador para monitorar a eficácia de terapias em ensaios clínicos e na prática clínica da ELA. Em casos de Demência Frontotemporal (DFT) e outras formas de demência, níveis elevados de NfL podem auxiliar na diferenciação da DFT de distúrbios psiquiátricos primários. Na Doença de Huntington, os níveis de NfL podem estar elevados e correlacionados com a progressão da doença, sugerindo um papel no monitoramento da sua evolução.
No contexto da Lesão Cerebral Traumática (LCT), os níveis de NfL aumentam de forma consistente após o trauma, podendo atingir concentrações muito elevadas, e têm sido associados aos resultados clínicos dos pacientes. A normalização dos níveis de NfL ao longo do tempo pode ter valor prognóstico. Em casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC), os níveis de NfL elevam-se nos dias subsequentes ao evento e estão relacionados a um pior prognóstico, além de se correlacionarem com a neurodegeneração secundária observada em exames de RM. Estudos recentes demonstraram que o NfL plasmático pode antecipar o risco de AVC mesmo antes da ocorrência do evento, com utilidade prognóstica superior aos escores clínicos tradicionais em pacientes com fibrilação atrial (Aulin et al., 2024).
Em relação às Infecções do Sistema Nervoso Central (SNC), níveis elevados de NfL têm sido detectados em pacientes com encefalites e meningites causadas por diversos agentes infecciosos, indicando dano neuronal.
Em Outras Condições, como nas complicações neurológicas da COVID-19, foram observados níveis significativamente elevados de NfL em pacientes gravemente enfermos, associados à severidade da doença, necessidade de internação em unidade de terapia intensiva e aumento do risco de mortalidade. Além disso, em algumas Neuropatias Periféricas, como a neuropatia de Charcot-Marie-Tooth e neuropatias periféricas adquiridas, os níveis de NfL podem estar elevados, correlacionando-se com a gravidade da doença e o resultado clínico. Isso demonstra que o NfL não é um marcador exclusivo de dano no SNC, podendo também indicar lesão neuronal no SNP.
Metodologia para Dosagem de NfL no Sangue
Diversas técnicas de imunoensaio estão disponíveis para a dosagem de neurofilamento de cadeias leves (NfL) no sangue, cada uma com suas características de sensibilidade, custo e aplicabilidade.
Atualmente, a tecnologia Single Molecule Array (Simoa) é amplamente reconhecida como o padrão ouro para a dosagem de NfL no sangue devido à sua sensibilidade extremamente alta. Essa tecnologia de imunoensaio digital permite a quantificação precisa de NfL em concentrações muito baixas, tipicamente encontradas no sangue. A alta sensibilidade do Simoa possibilita a detecção de variações mínimas nos níveis de NfL, o que é particularmente relevante para o monitoramento de doenças e a avaliação da eficácia de tratamentos.
É importante notar que existe uma correlação entre os níveis de NfL encontrados no LCR e no sangue, especialmente quando a dosagem sanguínea é realizada utilizando as técnicas mais sensíveis, como Simoa. Em indivíduos saudáveis, a concentração de NfL no LCR é significativamente maior do que no sangue, sendo cerca de 40 vezes superior. Esta correlação sugere que a dosagem de NfL no sangue pode ser um substituto adequado para a análise no LCR em muitas aplicações clínicas, dada a sua natureza menos invasiva.
Indicações para a Dosagem de NfL no Sangue
A dosagem de NfL no sangue pode ser considerada em diversos contextos clínicos. Em pacientes que apresentam sintomas neurológicos sugestivos de dano axonal, como declínio cognitivo progressivo, fraqueza muscular, alterações na marcha ou outros sinais que possam indicar neurodegeneração ou lesão axonal aguda, a dosagem de NfL pode fornecer informações adicionais para auxiliar no processo diagnóstico. Um nível elevado de NfL nesses casos pode aumentar a suspeita de uma condição neurológica subjacente, justificando a realização de investigações complementares.
Em pacientes com doenças neurológicas já diagnosticadas, como Esclerose Múltipla (EM), Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Doença de Alzheimer (DA), Doença de Parkinson (DP) e outras condições neurodegenerativas, a dosagem regular de NfL é indicada para monitorar a progressão da doença, detectar atividade subclínica que pode não ser evidente clinicamente ou em exames de imagem, e avaliar a resposta terapêutica a intervenções farmacológicas ou outras modalidades de tratamento. O acompanhamento longitudinal dos níveis de NfL pode oferecer insights valiosos sobre a história natural da doença em um indivíduo específico e sobre a eficácia das terapias implementadas.
O NfL é um marcador sensível, mas não específico. Ele se eleva em diversos contextos de injúria neurológica, incluindo doenças inflamatórias, degenerativas, traumáticas e vasculares. Nesse sentido, o NfL tem sido proposto como um análogo da proteína C-reativa do sistema nervoso, atuando como um marcador inespecífico, porém sensível, de dano neuronal em múltiplas condições clínicas e subclínicas (Gaetani & Parnetti, 2022).
A dosagem de NfL também tem se mostrado cada vez mais relevante em contextos de pesquisa clínica. É frequentemente utilizada como critério de inclusão em ensaios clínicos, como marcador de progressão da doença ao longo do estudo e como um biomarcador para avaliar a resposta ao tratamento experimental. A utilização do NfL como um endpoint objetivo pode facilitar o desenvolvimento de novas terapias para doenças neurológicas, fornecendo uma medida quantitativa da eficácia do tratamento.
Valores de Referência do NfL no Sangue
A interpretação adequada dos níveis de neurofilamento de cadeias leves (NfL) no sangue requer o conhecimento dos valores de referência, que variam significativamente com a idade em indivíduos saudáveis. Estudos populacionais têm demonstrado uma tendência de aumento dos níveis de NfL com o avançar da idade. Por exemplo, alguns estudos sugerem um aumento anual de aproximadamente 2,2% nos níveis de NfL no sangue em adultos, com uma taxa de aumento ainda maior em indivíduos com mais de 60 anos. Além da idade, outros fatores como o índice de massa corporal (IMC) também podem influenciar os níveis de NfL, com alguns estudos relatando uma correlação inversa entre IMC e concentração de NfL no sangue.
Principais aplicações para a dosagem de NfL no sangue

A dosagem sanguínea de Neurofilamento de Cadeia Leve (NfL) está disponível no Richet Medicina & Diagnóstico e não requer nenhum tipo de preparo especial antes da coleta.
Autor:
Dr. Helio Magarinos Torres Filho
Diretor Médico
CRM: 52.47173-0